quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Confiando em Deus para um 2016 Melhor



"Porque sou eu que conheço os planos que tenho para vocês, diz o Senhor, 'planos de fazê-los prosperar e não de lhes causar dano, plano de dar-lhes esperança e um futuro'" - Jr. 29:11

O profeta Jeremias escreveu durante um período de efervescência política, onde o modesto reino de Judá vinha alternando monarcas corruptos com grande frequência. Naquele mesmo período, Jeremias foi enviado à Babilônia pelo rei Zedequias, para entregar cartas a uma parte do povo que já estava exilada.

Um homem chamado Hananias liderava um grupo de homens que divulgava, dentre outras falsas profecias, que o período do cativeiro seria curto, Em resposta, Jeremias instruiu o povo a não dar ouvidos a palavras que não vinham do Senhor, simplesmente porque elas soavam mais suaves. Ele também alertou o povo que muitas vezes a vontade de Deus é nos levar a lugares e situações que julgamos não serem as melhores para nós.

O Brasil vive uma crise sem precedentes. Assim como Judá há 2.500 anos, estamos nas mãos dos corruptos e interesseiros. Em 2015 sentimos reflexos como não sentíamos há 30 anos. Inflação descontrolada, queda brusca do poder econômico de todas as classes sociais, crise na saúde, crise na educação, desemprego (47% dos chefes de família estão desempregados em dezembro deste ano). Sentimo-nos desamparados por quem supostamente deveria lutar por nós, exatamente como aqueles judeus exilados na Babilônia.

Não é difícil encontrar cristãos que ao se perceberem no olho do furacão, questionam a Deus o porquê disso tudo. "Por que nasci neste país?" "Como reduzir significativamente o sofrimento das pessoas?" "Por que Deus não levanta um homem - ou um grupo de homens - para mudar esta situação?" "Por que os Estados Unidos e Europa conseguem e nós não?"

A verdade é que Deus permitiu àquelas pessoas passarem por isso para que aprendessem a confiar no Senhor. Muitos deles estavam no cativeiro, mas ainda tinham suas famílias, o que comer e o que vestir. Talvez estejamos em situação semelhante e não estejamos conseguindo enxergar que Deus tem nos preservado.

E é exatamente isso que precisamos fazer para ter paz no coração, para vivermos com esperança. Deus enviou tempos difíceis a eles, mas ao mesmo tempo prometeu um refrigério logo mais à frente. Aquelas pessoas puderam ver a queda dos corruptos e da Babilônia, dos que os destruíram, assim como estamos, mesmo que modestamente, começando a ver os corruptos que roubam o dinheiro da merenda dos alunos das escolas públicas irem pra cadeia.

Mas o mais importante é que aquelas pessoas descansaram no Senhor. Confiaram nele, e depois do tempo determinado por Deus, puderam voltar para sua terra e reconstruí-la. Com a atual crise alguns perderam o emprego, outros não conseguem medicação para um tratamento específico. Outros viram ruir a esperança de obter uma bolsa de estudos para seus filhos. No entanto, este não é o final da linha, porque, como canta Luth, "Canaã é logo ali". 

Confiando no Senhor, não temeremos o pavor da noite, a flecha que voa de dia ou a serpente que se move debaixo da terra. Depositando nossa ansiedade e medo no Senhor, ele segurará nossa mão e nos ajudará a caminhar por este vale, a atravessar toda sombra e morte e, quando menos esperarmos, estaremos na bonança. Porque este é o plano do Senhor, que confiemos nele, por onde quer que andarmos ou ele nos enviar.

Que 2016 seja um ano guiado pelo Senhor!

sábado, 28 de novembro de 2015

O Homem, a Religião e o Sofrimento


Ser um religioso dedicado não elimina no homem sua predisposição ao sofrimento. As dores da alma são algo que se aproxima de todos: jovens e idosos, homens e mulheres, crentes e incrédulos. Pessoas sofrem. Religiosos sofrem. Não religiosos, também.

Se Deus é infalível, superior e tudo pode,  então por que permite o sofrimento?

As escrituras sagradas nos ensinam a viver e compartilhar amor, paz, tolerância e esperança, mas também nos trazem fatos que registram o sofrimento vivido por homens piedosos, obedientes e amigos de Deus. Daniel, , Davi, Pedro, Paulo, Moisés, Ester, Noemi, Maria e mesmo Jesus!... em algum momento sofreram. Acaso o sofrimento desses homens e mulheres dá pistas de algo falível no caráter de Deus? Certamente, não.

Engana-se quem associa religião, hábitos de ida à igreja, leitura da Bíblia, orações e/ou boas ações como um tipo de passaporte para a vida leve e sem sofrimento neste mundo. Associar religião à falta de tristezas é um caminho enganoso, que mais cedo ou mais tarde, vai se provar falso. Foi Jesus quem nos advertiu que teríamos aflições no mundo (João 16.33). Por que então insistir que a prática religiosa reduz as chances do sofrimento?

Deus não se relaciona conosco através da religião, mas pelas situações da vida que potencialmente nos aproximam de seu amor e nos ensinam a depender dele. Jesus não ofereceu ao homem uma religião, pelo contrário, convidou todos a romperem com as práticas que valorizavam mais os processos que as pessoas; mais os processos que a adoração sincera.

Com seu exemplo, Jesus nos ensinou a transformar sofrimento em vida. A vida de Jesus abençoa a nossa, e em ciclo virtuoso, nossa vida pode abençoar a de nosso próximo. Isso é fantástico! E como isso acontece na prática? É a religião? É a caridade? É o amor?

É a intimidade com os ensinamentos de Cristo que pode transformar  nossa capacidade de amar (e de permitir ser amado) em meio à dor.

Agir como o Mestre nos ensinou é praticar o amor, que em última análise é o melhor unguento para o sofrimento.


Pedro Madsen & Jaci Madsen

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Ahhh, o Sofrimento...


Basta ser humano para potencializar todo tipo de dor e sofrimento. Todos nós sofremos mais cedo ou mais tarde, e a maioria das pessoas passa uma parte grande do seu tempo buscando evitar, fugir ou transformar o sofrimento.

Sogyal Rinpoche, grande mestre budista tibetano, ensina que todo sofrimento tem origem nos martírios gêmeos de ter e de não ter. Se o sofrimento humano reduz-se ao ter e não ter, não me atrevo a opinar. Mas sei que sempre se pode sofrer, e por qualquer número de razões. Pode-se sofrer por causa do passado ou do futuro. Pode-se sofrer por si mesmo ou pelos outros. Pode-se sofrer pelo que se tem ou não se tem. Pode-se sofrer por crenças ou descrenças. Pode-se sofrer porque Deus nos faz sofrer ou porque Ele não nos faz parar de sofrer. Pode-se sofrer porque se está vivo ou porque se está morrendo. Pode-se sofrer em nome do amor, da arte, da ambição ou do próprio sofrimento. Pode-se sofrer porque se sofre demais ou de menos. E pode-se sofrer porque nos recusamos a extinguir nosso sofrimento e, em vez disso, fazemos os outros sofrerem também.

talvez tenha experimentado todos esses tipos de sofrimento. A Teodiceia (a justiça de Deus diante do sofrimento humano), em última análise, é um mistério para nós. Mas nem por isso deixa de nos apresentar lições. A história de Jó levanta a possibilidade de nunca sabermos o motivo do sofrimento ter nos acometido. Em contrapartida, também acena com a reconfortante ideia de que Deus oferece a si mesmo, sua presença amorosa como sustento durante o sofrimento.

Jesus ensinou que devemos buscar ser parecidos com ele, ou seja, com Deus. Isto significa que Deus espera que também nos ofereçamos, assim como Ele o faz, como alento ao sofrimento de terceiros.

Seja qual for o motivo do seu sofrimento, guardá-lo para si, fugir dele ou repassá-lo não trará solução definitiva. Transformá-lo em bem é o que Jesus faria, e espera que façamos. Transformar algo doloroso para você em algo útil para os outros. Se você consegue, através do seu sofrimento, perceber o sofrimento alheio, pode ajudar o outro a dar fim ao sofrimento. Dessa maneira, mesmo que você não seja capaz de se ver livre por completo do seu sofrimento, irá diminuí-lo ao ajudar a diminuir o sofrimento dos outros. Transformar seu próprio sofrimento no não sofrimento dos outros é a maior realização que se pode aspirar na vida. E é este o objetivo explícito de Jesus para sua vida.

sábado, 21 de novembro de 2015

A Enfermidade e a Cura


Todo enfermo anseia por um dia libertar-se da sua enfermidade a fim de desfrutar novamente de uma vida sadia.

Nos tempos de Jesus, ao ver-se enfermo, o israelita, em geral recorria a Deus. Examinava sua vida, confessava seus pecados diante de Deus e pedia pela cura. As vezes recitava um dos muitos salmos compostos por enfermos: "Tem piedade de mim, Senhor, cura-me, porque pequei contra ti" (Salmo 40:5).

Na verdade, aquelas pessoas não tinham muitas opções ao se verem enfermas. A medicina grega, impulsionada por Hipócrates, era praticada em cidades importantes, como Tiberíades e Séforis, mas certamente não passava perto de vilarejos como Nazaré e Cafarnaum. Mesmo se um médico estivesse disposto a ir até lá, os honorários eram por demais elevados para aquelas pobres pessoas.

Tampouco podiam peregrinar até os famosos templos de Esculápio (deus da medicina), ou aos santuários de Ísis e Serápis, divindades curadoras. Também não podiam banhar-se em fontes sagradas consideradas terapêuticas. E se por ventura conseguissem chegar a esses lugares, não tinham condições de pagar as caras oferendas que ali eram exigidas.

As vezes, era possível recorrer aos hasidim (magos, exorcistas). Eram homens piedosos, como Honi, o famoso traçador de círculos. Sua atuação não era de caráter mágico, mas se devia ao favor de Deus. No entanto, estes homens apenas curavam, e o faziam quando Deus os permitia.

Jesus era diferente. Embora suas técnicas fossem semelhantes a dos hasidim (p. exemplo por saliva nos olhos dos enfermos), sua atuação ia muito além da cura. Jesus se apoia no amor curador de Deus, que se compadece dos que sofrem. Jesus não intervém para causar dano, impedir amores ou desfazer-se de inimigos. Também não intervém para que alguém receba uma cura, simplesmente. Jesus cura o sofrimento. Jesus muda o rumo da vida do enfermo.

Para Jesus, curas não são feitos isolados, fazem parte da sua proclamação do reino de Deus. É sua maneira de anunciar esta grande notícia: Deus está chegando, e os mais desgraçados podem experimentar seu amor compassivo. As surpreendentes curas de Jesus são sinal de humildade, de um mundo novo, da nova realidade que Deus quer para todos.

O exemplo de Jesus nos ensina a ver a dor das pessoas. Talvez Você não seja um missionário e não possa ir ao Camboja oferecer uma simples dipirona para aliviar a dor de alguém que sofre de osteoporose e sequer foi diagnosticado (sim, uma dipirona é luxo nas áreas pobres do Camboja), talvez não possa auxiliar pessoas portadores de HIV/AIDS como Kay Warren, ou mesmo possa ajudar os recém desabrigados da tragédia em Mariana-MG. No entanto, existe alguém enfermo ao seu lado. Jesus não procurou os grandes desastres do oriente médio para atuar, simplesmente atuou por onde passava.

Portanto, seu vizinho, seu porteiro, seus primos, seus irmãos, seus pais, seus avós, seus colegas de estudo ou trabalho, são pessoas próximas a você e que podem estar enfermas. A enfermidade dessas  pessoas não está estampada na capa do jornal, mas nem por isso é menos importante. As vezes a enfermidade dessas pessoas se origina no simples vazio que há em seus corações, a espera de Jesus. E muitas vezes, é você e só você quem pode cura-lo.

Enfermidade no corpo ou na alma, tanto faz. Precisam de cura.

Sigamos o exemplo de Jesus e levemos esperança e libertação aos que estão enfermos.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

O Pão da Vida


Volta e meia ouço nas igrejas ministros e pastores anunciarem "Jesus é o pão da vida". No entanto, estou convencido de que o significado deste axioma é desconhecido pelos que o ouvem, e por muitos dos que o pronunciam.

Tudo começa na Pesach (páscoa). A páscoa é celebrada anualmente desde os tempos de Moisés (aprox. 1.280 A.C.) no dia 14 de nisan (este é o primeiro mês do calendário judeu, e começa entre os meses que conhecemos como março e abril). No dia 15 de nisan começa uma festa que dura sete dias, a festa dos pães sem fermento, ou pães Ázimos.

Os pães sem fermento (não levedados) Trazem o significado da páscoa judia e também cristã. O que fermento? No contexto bíblico, fermento pode ser leite, ovo... qualquer ingrediente possa ser adicionado à massa e "contaminá-la", causando fermentação. Quando não há fermento numa casa judia durante a páscoa, simbolicamente aquela casa está pura, ou purificada.

Uma vez que chamamos Jesus de "pão da vida", estamos dizendo que Ele é como o pão ázimo: não recebeu fermento, não foi contaminado pelo pecado. Também estamos dizendo que Jesus é para nossa alma o mesmo que o pão ázimo é para nosso corpo: Quando o aceitamos ou comemos o pão, estamos dizendo que Ele é nossa fonte de vida e sustento. 

O pão ázimo (Matzo em hebraico) é traspassado, moído, assim como Jesus foi ferido por nós; levado ao fogo, assim como Jesus foi provado na cruz; e encontrado verdadeiro, digno de confiança.

Agora que entendemos que Jesus é o pão da vida e o que isso significa, precisamos compreender o que é ingerir do pão da vida que é Jesus. Não se trata de uma questão metafísica, reservada ao campo do subjetivismo. É verdade que há um encontro, um momento especial. No entanto, se fosse só isso, Jesus não teria desenvolvido seu ministério, mas tão somente seu sacrifício.

Comer do pão da vida significa ver o mundo pela ótica de Jesus. E a ótica de Jesus é o que este blog procura abordar em primeiro lugar, pois trata-se da horizontalidade da salvação. Nós fomos criados para nos relacionarmos com Deus, mas também com o próximo. Jesus dedicou-se principalmente aos excluídos e oprimidos. Jesus é Deus dos desamparados, dos impotentes e indefesos. Jesus assistiu quem precisava, e convoca a você e a mim para fazermos o mesmo.

Não pense você que, uma vez ingerido o pão da vida, não há mais nada que você possa fazer. o reino de Deus começa na terra, a partir do momento que você o leva para aqueles que precisam mais de você.

domingo, 1 de novembro de 2015

Penso, Logo Deus Existe



O que faz você pensar? 

Qualquer pensamento tem uma origem. Mas qual é essa origem? A resposta mais simples e óbvia e que nosso cérebro que nos faz pensar.

Mas tente responder estas perguntas: de que cor é um pensamento? Que forma tem? Qual seu comprimento, massa, peso...? Quanto tempo leva para pensar?  Quando você pensa em episódios da infância ou em pessoas que conheceu, como essas lembranças ficam guardadas?  Como você acessa esses dados sempre que quer?  

A revista Newsweek publicou recentemente uma matéria comparando o cérebro de duas pessoas em estados mentais diferentes. As imagens coloridas feitas por ressonância magnética nos mostram um cérebro "normalmente consciente" e um cérebro de um budista em meditação profunda (samádi). Essas imagens mostram que áreas cerebrais diferentes "iluminam-se" de maneira correspondente aos diferentes estados do cérebro, influenciados por estados diferentes da mente. Entretanto, como lembra o filósofo Alfred Korzybski"um mapa não é um território". Os estados cerebrais são efeitos de causas que pertencem à mente.

Uma fotografia do cérebro não é uma fotografia da mente nem da consciência. Não há fotografia da mente porque a mente não é uma coisa física. Não podemos tirar fotografias de volições, intenções, atitudes, crenças, apegos, desapegos, concepções, significados, imagens de si mesmo, alegrias ou tristezas, porque essas coisas se originam na mente, e só se espelham no cérebro. O cérebro é o ponto de convergência entre a mente e o corpo físico. A mente tem propriedades que independem do cérebro.

... E o que é a mente? A mente é a consciência, e determina - em parte - o estado cerebral. Neste sentido, mostrar a imagem de um cérebro iluminado de determinada forma e afirmar que isso explica o samádi pode ser comparado a mostrar a fotografia de um pinheiro enfeitado de determinada maneira e afirmar que isso "explica" o natal.

O que nos faz pensar não é o cérebro, mas a consciência. E, em última análise, é o que nos faz concluir sobre a existência do sobrenatural. 

Assim como as formas físicas de energia radiante, o pensamento tem propriedades como amplitude, frequência, intensidade. E, por outro lado, também tem propriedades como apego, sentimento, discernimento... questões que têm a ver com a alma, com quem verdadeiramente somos. E estas são as mesmas propriedades que serão mantidas quando Deus nos transferir do corpo físico para um corpo glorificado, preparado para a eternidade.

Somos o que pensamos. Pensamos o que somos. 

Natural e sobrenatural!  Deus nos fez assim.  O cérebro morre, a mente não. Pensamentos e sentimentos continuarão conosco mesmo após a morte. 


René Descartes, em seu ceticismo, afirmou "cogito ergo sum" (penso, logo existo). Hoje, o legado de Descartes e de seu filho, o Iluminismo, nos permitem dizer, com toda certeza: Penso, logo Deus existe.

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Quem Precisa de Amor?


Quem precisa do seu amor? Você já se fez esta pergunta? Já parou para pensar que enquanto você está sentado em um restaurante com ar-condicionado durante seu horário de almoço existem pessoas realmente necessitadas? Não me refiro aos milhões de órfãos desabrigados na África ou os refugiados da guerra na Síria cruzando o mediterrâneo em direção a Europa. Falo do porteiro do seu prédio, do irmão que você quase nunca vê por falta de tempo, do sobrinho que não simpatiza porque sempre "queimou o filme" da família, da idosa viúva do andar de baixo. Todas estas pessoas estão próximas, ma talvez você nunca tenha pensado que elas têm problemas e necessidades. É por isso que Martin Buber desenvolveu a noção do eu-tu, que significa tratar o outro sempre como uma pessoa (tu) e nunca como uma coisa (isto).

As vezes as necessidades destes que nos cercam são reais, como o que comer ou vestir, as vezes são abstratas, como carência de atenção. Mas você só vai ser capaz de perceber isso se começar a olhar para os outros como tu, e não como isto. Se agir assim, você pode acabar descobrindo ser o único capaz de ajuda-las, e amenizar seu sofrimento.

Jesus uma vez contou uma parábola desconcertante: "Um homem descia de Jerusalém para Jericó, quando caiu nas mãos de assaltantes. Estes lhe tiraram as roupas, espancaram-no e se foram, deixando-o quase morto. Aconteceu estar descendo pela mesma estrada um sacerdote. Quando viu o homem, passou pelo outro lado. E assim também um levita; quando chegou ao lugar e o viu, passou pelo outro lado. Mas um samaritano, estando de viagem, chegou onde se encontrava o homem e, quando o viu, teve compaixão. Aproximou-se, enfaixou-lhe as feridas, derramando nelas vinho e óleo. Depois colocou-o sobre o seu próprio animal, levou-o para uma hospedaria e cuidou dele. No dia seguinte, deu dois denários ao hospedeiro e disse-lhe: 'Cuide dele. Quando voltar lhe pagarei todas as despesas que você tiver'"

Agora se imagine como um dos ouvintes de Jesus: você já peregrinou mais de uma vez a Jerusalém e conhece bem essa região desértica e perigosa. Sabe como é difícil não topar com assaltantes que se refugiam nestes barrancos e desfiladeiros. É de seu conhecimento também que, esta rota, ao mesmo tempo perigosa, é bastante frequentada. Sacerdotes e levitas passam por ali toda semana depois de terem exercido seus serviços no templo, a caminho de Jericó, importante cidade sacerdotal. Também passam por ali peregrinos e comerciantes com destino a Jerusalém, levando suas mercadorias para a capital.

Ao ouvir falar de um homem assaltado e deixado semimorto na valeta do caminho, você que conhece o lugar e os perigos, sente simpatia e piedade em seu coração. Afinal, é uma vítima inocente, abandonada num caminho solitário e que precisa de ajuda urgente. Este homem poderia ser você! Como não sentir compaixão por ele?

Pare e reflita: na sua vida hoje, quem está sofrendo próximo a você, e que o motivo de dor que o acomete poderia não ter atingido ele, mas sim você?

No caminho daquele homem, felizmente, apareceram dois viajantes: primeiro um sacerdote e depois um levita. Ambos vêm do templo. Já realizaram suas obrigações por lá e estão retornando a sua cidade. O ferido os vê chegar cheio de esperança: são de seu próprio povo; representam o templo, sem dúvida terão compaixão dele. Mas ao se aproximarem, os dois têm a mesma reação: passam pelo outro lado da estrada. Por quê? Têm medo dos assaltantes? Não querem tocar num desconhecido ensanguentado e semimorto para não ficarem impuros (isso os faria ter que retornar e só poderem retomar a viagem dias depois)? Você se sente escandalizado com a falta de compaixão desses dois homens. Como não ajudar um homem abandonado a uma morte quase certa?

No horizonte aparece um terceiro viajante. Não é sacerdote ou levita, não vem do templo. Sequer pertence ao povo eleito. É um odiado samaritano. Provavelmente um comerciante dedicado a seus negócios. O ferido o vê chegar com temor. Pode-se esperar dele o pior. Chegará a liquidá-lo? Mas o samaritano vê o ferido, sente compaixão e aproxima-se dele. Faz pelo ferido tudo o que pode: desinfeta suas feridas com vinho, suaviza a dor com azeite, enfaixa-o para proteger suas feridas da poeira do deserto, coloca-o sobre sua própria montaria, leva-o à hospedaria mais próxima, cuida dele e arca com todos os gastos que forem necessários. Este homem, definitivamente, não parece alguém preocupado com suas mercadorias; assemelha-se mais a uma mãe cuidando com ternura do filho ferido.

Sabe, o conceito abordado por Jesus nesta parábola rompe todas as barreiras. É muito mais profundo do que inicialmente imaginamos. Jesus vê o reino de Deus na compaixão de um odiado samaritano. Já não há classificação entre amigos e inimigos, entre membros ou não de seu corpo (a igreja), entre puros e impuros, entre ricos e pobres. A misericórdia de Deus pode vir de fora do templo, de fora dos canais religiosos "oficiais", pode vir de um inimigo! É desconcertante. Jesus olha a vida a partir da sarjeta, com os olhos das vítimas necessitadas de ajuda. Não há dúvida que para Jesus a melhor metáfora de Deus é a compaixão para alguém ferido. Física ou emocionalmente.

O reino de Deus torna-se presente onde as pessoas atuam com misericórdia. Até um inimigo ou um renegado podem ser instrumento e encarnação do amor compassivo de Deus. A mensagem de Jesus constitui um verdadeiro desafio para todos nós: É preciso esquecer preconceitos e inimizades seculares, é preciso reordenar valores. É preciso estender a misericórdia de Deus a todos e despir-se de valores provincianos de grupos sociais.

A pergunta que você deve se fazer é: "Quem tem necessidade de que eu me aproxime dele, me torne próximo e responda à sua necessidade?" É o sofrimento de qualquer ser humano caído no caminho que nos deve ensinar como agir com amor compassivo.

domingo, 25 de outubro de 2015

O Sofrimento


O sofrimento é um professor. Um professor experiente, um Ph.D especializado na vida. Seu ensino torna mais sensível nossa percepção da condição humana. Depois de cada aula do sofrimento, somos capazes de discernir melhor a impermanência, as ilusões, a fragilidade, as futilidades, a vanidade; a nobreza, a honra, a moral, o caráter e a beleza, relacionados à existência.

Buda disse que estar vivo e consciente é sofrer. Se olharmos para esta afirmação por outro prisma, veremos que ele estava correto. Jesus confirma ao dizer "no mundo tereis aflições". É razoável, portanto, afirmarmos que o sofrimento é "onipresente" entre os seres humanos. Um tipo fundamental de mal-estar pelo qual todos passam, sejam quais forem as causas específicas. Ricos e pobres, homens e mulheres, negros e brancos, jovens e velhos; sofrem igualmente, embora o sofrimento de cada um pareça a si mesmo ser único ou maior que dos outros.

Você conhece alguém que nunca tenha sofrido em nenhum momento? Você também não sofre de vez em quando? Há quem suporte o sofrimento de maneira mais estóica ou humorística que os outros, mas todos, seguramente, sofrem de alguma coisa às vezes, ainda que exprimam isso de maneiras diferentes. Alguns sofrem em silêncio; outros protestam em voz alta. Alguns oram e entregam sua dor a Deus ou mesmo a algum santo, outros se tornam cínicos. Alguns culpam os outros; outros culpam a si mesmos. Alguns odeiam ou matam os outros; outros odeiam ou matam a si mesmos. Alguns buscam fugir do sofrimento; outros sofrem por tentativas de fuga. Alguns atingem metas para distrair-se do sofrimento; outros sofrem por atingirem essas metas ou pela própria distração.

A boa nova é que Jesus nos ensina a lidarmos com o sofrimento. Toda a história da intervenção divina na humanidade, aliás, é repleta dessas lições. A travessia do mar Vermelho poderia ser traduzida por travessia do mar de sofrimento. Ao chegar do outro lado, o povo de Israel passou pelo sofrimento com êxito. E assim também nós podemos e devemos fazer.

Pense na mensagem de Jesus como uma aula de natação: nos ensina a atravessar o mar de mal-estar e chegar à praia do bem-estar. De fato, Ele nos ensina a nadar, nos da trajes de banho e nos previne das correntezas traiçoeiras do caminho. Apenas não nada por nós. Ele está do outro lado esperando para nos saudar como vencedores.

No entanto, ele nos adverte que ao atravessar o mar de sofrimento e chegar a praia de bem-estar, não é o fim de tudo. Uma vez um sábio pastor disse: existem três tipos de pessoas: as que estão passando por tribulação, as que estão saindo da tribulação e as que estão entrando na tribulação. O fim de um ciclo de dor nos prepara para toda uma mistura de outros sofrimentos vindouros. Se você está passando por um grande sofrimento, saiba que, quando acabar, você estará livre para sofrer por outros motivos. Sofrer por doenças, por morte, por morte prematura de entes queridos, por maus casamentos, por más colheitas, mau tempo, maus vizinhos, desemprego, exploração, tributação e tudo o mais. Muito embora também esteja livre para ter períodos  de bons momentos, lembranças felizes, superação no trabalho, um grande amor, paz em sua casa, alegria entre amigos e familiares, etc, entre os ciclos de sofrimento.

O importante disso tudo é saber que há alguém disposto a dividir o peso do seu sofrimento com você. Esse alguém é Jesus, e ele oferece um ombro amigo. Mais que altruísta, ele é o próprio Deus criador de todo o universo, que ama sua criação. Você é parte da criação dele, e por isso ele oferece amor paternal. Aceite, e você verá que seus sofrimentos serão menos doídos a partir de então.

domingo, 18 de outubro de 2015

Bom aos Olhos de Deus


"Dois homens subiram ao templo para rezar: um era fariseu, o outro publicano. O fariseu, de pé, rezava em seu interior dessa maneira: "Ó Deus! Dou-te graças porque não sou como os outros homens, ladrões, injustos, adúlteros, nem mesmo como esse publicano. Jejuo duas vezes por semana, dou o dízimo de todos os meus lucros". Por sua vez, o publicano, mantendo-se à distância, nem se atrevia a levantar os olhos para o céu, mas batia no peito dizendo: "Ó Deus! Tem compaixão de mim porque sou pecador!" Digo-vos que este desceu para casa justificado, e não aquele."

Geralmente esta parábola contada por Jesus é usada para ilustrar como deve ser nossa oração. Isso é verdadeiro, mas assim como no caso da parábola do "grão de mostarda" (que vimos anteriormente), se observarmos com atenção, perceberemos uma lição mais abrangente ensinada por Jesus. Ele destaca três personagens: o fariseu, o publicano e o templo onde Deus habita.

Dos ouvintes imediatos de Jesus, provavelmente todos já haviam peregrinado até o templo (possivelmente por mais de uma ocasião), que era o centro de seu povo e religião. Só ali podia-se prestar culto a Deus. Eles chamavam o templo de "a casa de Deus", pois ali habitava o Deus santo de Israel. Dali Ele bendizia e protegia seu povo. Em outra época, neste mesmo templo, no lugar mais sagrado, estivera a arca da aliança e dentro dela as tábuas da lei. O templo representava a presença de Deus que reinava sobre seu povo por meio dessa lei. Com que alegria apresentavam-se diante dele todos aqueles que a observavam fielmente! O fariseu não é exceção. Provavelmente os dois sobem ao templo na hora em que se oferecem sacrifícios de expiação pelos pecados. Enquanto os sacerdotes realizam os ritos, eles se retiram para examinar sua consciência.

No caso do fariseu, todos já podiam imaginar o que sua consciência dizia, pois todos sabiam bem como eram os fariseus: um homem piedoso que cumpre fielmente os mandamentos, observa estritamente as normas de pureza ritual e paga escrupulosamente os dízimos. É dos que sustentam o templo. Sobe ao templo sem pecado. Deus não pode senão abençoa-lo.

Já o publicano ou arrecadador era alguém que vivia de uma atividade desprezível. Trabalha para arrecadar impostos sufocantes e subir na vida. Sua conversão é impossível. Não poderá retribuir os abusos que cometeu nem retribuir suas vítimas o que lhes roubou. Não pode sentir-se bem no templo. Ali não é o seu lugar.

O fariseu ora de pé, sem nenhum temor. Sua consciência não o acusa. Ele não é hipócrita, tudo o que diz é real. Cumpre fielmente todos os mandamentos, jejua duas vezes por semana, embora a lei só exigisse uma vez ao ano, paga o dízimo de tudo o que ganha, enquanto a lei cobrava somente os dízimos dos produtos do campo. Não se atribui mérito algum, Deus é quem o sustenta. Se este homem, um modelo de fidelidade a Deus, não é justo, quem o será? Com certeza pode contar com a benção de Deus, é o que pensavam os que ouviam Jesus. É o que pensamos nós. Você conhece alguém que, aos seus olhos, é como este fariseu? Alguém que você crê, é mais digno da presença do Senhor que você mesmo(a)?

O arrecadador de impostos, por sua vez, mantém-se à distância. Não se sente a vontade, não se acha digno daquele lugar santo. Ele sabe o que os que estão a sua volta pensam a seu respeito: desonesto, infiel, corrupto. Sequer atreve-se a levantar os olhos do chão, e bate no peito para reconhecer seu pecado e sua vergonha. Não promete nada. Não pode restituir o que roubou de tantas pessoas cuja identidade desconhece. Não pode deixar seu trabalho e mudar de vida. Não tem outra saída senão abandonar-se a misericórdia de Deus. "Ó Deus, tem compaixão de mim" ele ora. Não faz senão reconhecer o que todos já sabem. Ninguém gostaria de estar em seu lugar. Deus não pode aprovar sua vida de pecado. Você já se sentiu assim? Já esteve em algum templo e, olhando para o lado, reconheceu um publicano e desejou não estar em seu lugar? Ou já se sentiu tão indigno e desejou não ser você mesmo?

Jesus conclui que o fariseu não encontrou o favor diante de Deus. Ora, tanto aquelas pessoas como nós pensamos: qual o pecado do fariseu? Qual sua falta para não merecer a graça de Deus? No templo, Deus acolhia os justos em sua presença e excluía os pecadores e impuros. Estaria Jesus contradizendo Deus? Como pode Jesus dizer que Deus acolhe o impuro e rejeita o justo?

A verdade é que as coisas já não funcionam mais a partir da justiça elaborada pela religião. A observância da lei e o culto do templo são substituídos por um convite a viver da misericórdia insondável de Deus.

Jesus quer atrair você para uma experiência real que todo ser humano percebe no fundo do seu ser. Quando alguém se sente bem consigo mesmo e diante dos outros, quando se apoia em sua própria vida, não parece precisar de mais nada. Mas quando a consciência o declara culpado e desaparece a segurança, não sente então o ser humano a necessidade de refugiar-se na misericórdia de Deus e somente em sua misericórdia?

Quando alguém age como o fariseu, situa-se diante de Deus a partir de uma religião na qual não há lugar para o arrecadador de impostos. Quando alguém se confia a misericórdia de Deus, como o arrecadador, situa-se numa religião onde cabem todos.

Não confie em você mesmo, tampouco menospreze a si mesmo. Tão somente confie na misericórdia de Deus.

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Fantástico Como um Grão de Mostarda


"Com o reino de Deus acontece o mesmo que acontece com um grão de mostarda. É menor que qualquer semente que se semeia na terra; mas, uma vez semeada, cresce e se torna maior que todos os arbustos e deita ramos tão grandes que os pássaros do céu aninham-se à sua sombra."

Jesus poderia ter falado de uma figueira, uma palmeira ou uma vinha, como tradicionalmente os rabis faziam. Mas ele não era como os rabis de sua época.

A linguagem de Jesus é desconcertante e sem precedentes. As pessoas esperavam a vinda de Deus como algo grande e poderoso. Naquela época, os esperançosos recordavam de maneira singular do profeta Ezequiel, que falava de um "cedro magnífico" plantado por Deus em "uma montanha elevada e excelsa", que "lançaria ramagem e produziria fruto", servindo de abrigo a todo tipo de pássaros e aves do céu.

No entanto, de maneira surpreendente, Jesus escolhe a semente de mostarda, a menor semente conhecida até então (e a menor até hoje, ao menos no campo proverbial): um grão do tamanho de uma cabeça de alfinete, que com o tempo se transforma num arbusto de três ou quatro metros, no qual, por volta de abril, se abrigam pequenos bando de pintassilgos, que gostavam muito de comer seus grãos. Esta era uma cena que todo camponês na palestina podia contemplar ao entardecer.

Geralmente os evangelistas destacam a pequenez da semente em contraste com a altura da planta. Esta é uma boa comparação. Porém, se observarmos com atenção o texto, veremos que Jesus falava de algo mais profundo.

Para aquelas pessoas, a ação de Deus era como o cedro, que faz pensar em algo imponente, grandioso, poderoso. E esta é a grande metáfora: a semente de mostarda sugere algo fraco, insignificante, pequeno.

Nós, assim como os primeiros ouvintes de Jesus, esperamos algo fantástico e grandioso de Deus em nossas vidas. Queremos milagres e revelações hollywoodianas, pensamos que provisões e curas dignas de um filme são a verdadeira ação de Deus em nossas vidas, e prova de que estamos "bem conceituados" com Ele, sendo aprovados.

Essa postura, ao contrário do que pensamos sumariamente, é quase uma heresia. Primeiro porque NADA do que possamos fazer nos fará mais ou menos merecedores da graça salvadora de Jesus. Depois que, qualquer experiência sobrenatural que você possa vir a ter, não é privilégio seu. Somos todos igualmente pecadores e indignos da presença de Deus, lembra? Sendo assim, Deus proporciona grandes experiências espirituais a qualquer que o buscar, como diz o profeta Jeremias. E ainda, o extraordinário, o cedro, até acontece; temos relatos bíblicos e dois mil anos de biografias para comprovar. Mas o verdadeiro milagre é o grão de mostarda, o imperceptível.

A ação salvadora de Deus se deu de forma deveras humilde, através de Jesus. Hoje não é diferente: um dia de sol inesperado na vida de quem trabalha com obra, um dia chuvoso repentino na vida de um agricultor. Um trânsito inesperadamente bom no dia de quem vai passar horas dirigindo entre bairros na sua cidade, uma desistência de última hora num consultório médico em que você, que está sentindo-se mal ha dois dias, pode ser encaixado e atendido.

Quero encorajar você a ver a verdadeira ação de Deus, o grão de mostarda em sua vida. E quando o fizer, agradeça a Ele por algo tão simples mas ao mesmo tempo tão fantástico.

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

As Coisas Precisam Mudar


Você já parou para pensar o que de fato Jesus esperava (e espera) das pessoas no mundo? Jesus falou tanto do reino de Deus, mas você já pensou em sobre como Ele imaginava sua implantação? O que será que Jesus pensava que deveria acontecer para que o reino de Deus se concretizasse em algo bom para as pessoas? Será que Ele pensava apenas na conversão daqueles que o ouviam, para que Deus transformasse seus corações e reinasse num numero cada vez maior de seguidores? Será que Jesus buscava apenas a purificação da religião ou pensava numa transformação social e política em Israel, no Império romano e, definitivamente, no mundo todo?

Certamente Jesus não pregou um reino de Deus vago ou subjetivo. A irrupção de Deus pede uma mudança profunda. Jesus chama todos a mudarem suas maneiras de agir e pensar. Jesus nos ensina que para "entrar" no reino de Deus é preciso inserir-se na dinâmica proposta pelo próprio Deus e construir a vida conforme Ele deseja.

Para Jesus, é preciso que uma sociedade seja um povo que se pode dizer que Deus reina entre eles; ser inteiramente de Deus. Uma nação onde não há brigas entre família, corrupção, insultos, agressões, abusos dos mais fortes e esquecimento dos mais indefesos. Longe disso, um povo livre de todo tipo de escravidão e opressão, onde todos possam desfrutar de maneira justa e pacífica de sua terra e seu lar, onde não há explorados nem exploradores, onde as crianças não morrem de fome e os idosos vivem uma vida digna. Isaías 65:20-22 diz: "Nunca haverá nela uma criança que viva poucos dias, e um idoso que não complete os seus anos de idade; quem morrer aos cem anos ainda será jovem, e quem não chegar aos cem será maldito. Construirão casas e nelas habitarão; plantarão vinhas e comerão do seu fruto. Já não construirão casas para outros ocuparem, nem plantarão para outros comerem.".

Nos tempos de Jesus, muitos pensavam que a única maneira do reino de Deus chegar era a expulsão dos romanos impuros e idólatras. Essa visão míope é repetida por nós hoje em dia, infelizmente. Muitos pensam que só é possível um país melhor com mudanças em todos os escalões do governo e uma reforma política. Sem dúvida, esse argumento é valido, mas é apenas parte do processo. Parte de um processo que começa nos lares, escolas, igrejas e demais locais de convivência.

Pelo que podemos saber da Bíblia e fontes históricas, Jesus nunca teve em mente uma estratégia de caráter político ou mesmo religioso. O importante, segundo Ele, é que todos entrem na dinâmica do reino de Deus. Não é um compromisso religioso, mas uma atitude com profundos reflexos nas ordens políticas e sociais. Porque os que governam, os que julgam e os que elaboram leis são pessoas, seres humanos, que eventualmente estão na porta ao lado. Se essas pessoas forem inseridas no reino de Deus, também vão inserir o reino de Deus na sociedade. E é nosso compromisso fazer parte deste movimento.

Para Jesus, não é possível entrar no reino e acolher a Deus como salvador e ao mesmo tempo acumular riqueza as custas dos pobres. Veja, não é uma questão de quantia; cada um pode ter o quanto lhe for possível e permitido. O que Jesus trata é da exploração, da desigualdade. Ele trás de volta uma nuança da lei de Moisés ha muito esquecida: "abençoe na medida que tem sido abençoado". Nós precisamos viver isso. E precisamos levar isso a cada pessoa a nossa volta, para que toda a sociedade seja contagiada e uma mudança real aconteça em nosso país.

Uma coisa interessante a respeito da visão de Jesus de "reino" pode ser notada em uma palavra: "basileia" tem sido traduzida como reino, mas na época de Jesus era específica para referir-se ao "império" de Roma. O que Jesus quer dizer com isso é que devemos "abandonar" o império desse mundo, ou seja, abandonar os valores pregados pelo mundo. O mundo prega corrupção e ganho de vantagem a custa de terceiros; em contrapartida, no reino de Deus, a lógica é a justiça social e o amor ao próximo.

Quando Jesus diz "Não andem preocupados com coisa alguma, nem o que comer, nem o que vestir. Busquem primeiro o reino de Deus e todas essas coisas serão acrescentadas". Ele não está falando de uma intervenção divina milagrosa como erroneamente pensamos, mas sim uma mudança de comportamento que possa levar TODOS a uma vida mais digna e segura.

Se você acreditar nisso, a realidade de nossa nação vai mudar. Eu acredito, e estou fazendo minha parte. Mas como diz o ditado, uma andorinha só não faz verão. Se você se juntar a mim nessa luta, nosso verão, o futuro do Brasil, será infinitamente melhor do que podemos imaginar.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Deus, nosso amigo

"O Senhor é um Deus misericordioso e clemente, lento para a cólera e rico em amor e fidelidade"
Salmo 86:15

A linguagem empregada por Jesus para falar de Deus sugere o conteúdo dos três termos hebraicos que aparecem nesse salmo:

  • Rahum / misericordioso - Esta palavra indica uma compaixão que nasce das entranhas e comove toda a pessoa;
  • Hannun / clemente - Expressa um amor gratuito, incondicional, transbordante;
  • Hesed / amor fiel - Fala da fidelidade de Deus a seu amor pelo povo e pelas pessoas;
Jesus não cita as Escrituras diretamente para falar do amor de Deus, nós o fazemos; ele a intui contemplando a natureza e convida as pessoas mais simples a descobrirem que a criação está cheia da bondade de Deus. O reino de Deus, apresentado por Jesus, é algo muito simples, está ao alcance de todos, inclusive daquelas pessoas pobres, analfabetas e socialmente excluídas.

Jesus traz uma mensagem concreta e simples, que até os mais ignorantes entendiam: A primeira coisa para Jesus é a vida das pessoas, não a religião. Ao ouvi-lo falar e, sobretudo ao vê-lo curar os enfermos, libertar de seu mal os endemoninhados e defender os mais desprezados, eles têm a impressão de que Deus realmente se interessa por suas vidas e não tanto por questões "religiosas" que a eles escapam. Essas pessoas não estavam enganadas.

Não é difícil encontrar pessoas que sentem-se "indignas" da presença de Deus; Outras sentem-se preteridas, achando que Deus tem mais amor por outros do que por elas, como se elas fossem de algum modo inferiores; Há ainda algumas seitas cristãs que pregam o sucesso financeiro e material, conforme os padrões mundanos, e alegam que os que atingem tais metas "buscam mais e melhor" a Deus que os demais, gerando nas demais pessoas (que não atingem essa "meta") um grande sentimento de rejeição e inferioridade.

O ministério de Jesus é o grande exemplo para tudo em todas as áreas de nossas vidas. Neste caso não é exceção. Veja você que o Deus encarnado não foi ao templo construído em homenagem a Ele na cidade dEle dirigido por pessoas treinadas e preparadas durante séculos para dirigir ofertas e sacrifícios a Ele. Ele escolheu os mais pobres e necessitados, a estes dirigiu toda sua atenção. É por demais sugestivo. Essa atitude, como todas as outras de Jesus, tem um significado. E este significado é claro: Deus não faz acepção de pessoas.

Seja o que for que o faz sentir-se menos especial para Deus que um diácono, presbítero, pastor, bispo, apóstolo, ou mesmo de um cristão sem título que senta-se ao seu lado nos domingos; mas que de algum modo parece aos seus olhos "melhor" cristão que você; esqueça. Conhecimento teológico não faz ninguém melhor ou mais íntimo de Deus, vide os sacerdotes do templo na época de Jesus. "Busca" frenética por experiências sobrenaturais também não. Caso contrário, Jesus mencionaria os monges de Qunran que, naquela época, gabavam-se de sua espiritualidade transcendental e suas experiências místicas.

Você, seja quem for ou o como vive a vida, é especial para Deus. "Ahhh, mas eu estou em pecado" Alguém pode dizer. Jesus se encarrega de responder: "Eu vim para os enfermos, não para os que têm saúde". Jesus veio para lhe ajudar a lutar contra o pecado. Mas mais do que isso, muito mais do que isso, ele mostra que é possível viver com saúde e paz, através do reino de Deus, que já está entre nós.

Jamais pense que alguém é mais digno da presença de Deus que você, ou que Deus tem mais favor para uns que para com outros. Deus ama você na mesma medida que ama a toda a humanidade. Lembre-se: Ele é seu Pai.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Deus Já Está Aqui


Jesus surpreendeu a todos com essa declaração: "O reino de Deus já chegou". A segurança com que anunciava deve ter causado verdadeiro impacto. Sua atitude era demasiado audaz: não continuava Israel dominado pelos romanos? Não continuavam os camponeses oprimidos pelas classes poderosas? Não estava o mundo cheio de corrupção e injustiça? Jesus, no entanto, fala movido por uma convicção surpreendente: Deus já está aqui, atuando de maneira nova. E ainda está, até os dias de hoje.

Não se tratava da intervenção decisiva a favor de Israel no campo militar ou político; a presença do próprio Deus que faz-se sentir e já podia ser captada desde então. No mais profundo da vida das pessoas daquela época, já se podia perceber sua presença salvadora. 

Marcos registra "O tempo se cumpriu, e o reino de Deus aproximou-se. Convertam-se e creiam nessa boa nova". Essa linguagem era inovadora, jamais utilizada em toda a história até então. Antes os profetas evocavam o juízo divino vindouro; João Batista falava da eminente manifestação de Deus. Jesus, no entanto, não fala da futura manifestação de Deus, não diz que o reino está mais ou menos próximo. Para Jesus, o reino já chegou, está aqui, e ele o experimenta diariamente. Por isso, apesar de todas as aparências contrárias, Jesus convida todos a crerem nessa boa notícia.

O ceticismo existente hoje, também tomou alguns naquela época: "Como se pode dizer que o reino de Deus já está presente?", "Onde pode ser visto ou experimentado?", "Onde está o cataclismo final e os terríveis sinais que acompanharão sua intervenção poderosa?". Jesus responde de forma desconcertante: "O reino de Deus não vem de forma espetacular nem se pode dizer: 'Ei-lo aqui ou ali'. No entanto, o reino de Deus já está entre vocês". Ou seja, não se deve andar buscando nos céus sinais especiais. É preciso esquecer os cálculos e conjecturas que fazem adivinhos e visionários. Não se deve pensar numa vinda visível, espetacular ou cósmica do reino de Deus. É preciso aprender a capturar sua presença e seu senhorio de outra maneira, porque "o reino de Deus já está entre nós".

Você pode perguntar: Mas afinal, o que posso aprender com isso? Simples: Que a vinda de Deus para impor sua justiça não é uma intervenção terrível e espetacular, mas uma força libertadora, humilde mas eficaz, que está aí, no meio da vida, ao seu alcance, ao meu alcance, ao alcance de todos que acolherem com fé.

Não é difícil encontrar pessoas que, em seu entendimento, o reino de Deus se trata de "momentos" em locais "sagrados" que se pode "sentir algo". Pessoas que separam um momento especial para Deus aos domingos, e vivem de segunda a sábado sendo seus próprios senhores. É comum também pessoas acharem que é mais fácil "conectar-se" com Deus numa igreja, durante um culto, pois "Deus está ali"; como se não fosse possível ou conveniente para Ele estar também em uma praça ou dentro de um estacionamento. Existem muitas pessoas que creem na doutrina da Depravação Total, vivendo uma busca intensa e subjetiva por Deus, esquecendo-se de que ela mesma é imagem e semelhança do próprio Deus, o que lhe permitir ter algum discernimento espiritual, mesmo que distorcido pelo pecado. Há ainda pessoas que costumam ser inconscientemente egocêntricas, colocando-se como vítimas diante de Deus, que deve ajudá-las urgentemente em suas labutas diárias para diminuir seu sofrimento.

No entanto, Jesus não disse que o reino está dentro de nós, dentro da igreja, ou na boca do pastor; mas sim no nosso meio. Jesus não ajudava pessoas porque isso passava uma imagem boa, como muitos de nós pensamos ser necessário para ser "crente"; Jesus curava, ensinava, abraçava porque é assim que se vive o reino de Deus. E é isso que ele espera de nós. Quando alguém se depara com o reino de Deus, passa a pedir menos intervenção divina em sua vida, e passa ele próprio a ser intervenção divina na vida do outro.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

O Reino de Deus


Ao observar a vida que Jesus levou durante seu ministério terreno, pode-se notar um recado implícito em seu estilo de vida. Uma mensagem a nós, que muitas vezes direcionamos nossa fé para o subjetivo, e deixamos de viver o reino de Deus aqui na terra.

Ao retornar do deserto (onde preparou-se para seu ministério) Jesus não buscou um "trabalho" para sobreviver. Em momento algum possuiu uma casa. Ele não precisava responder a nenhum arrecadador de impostos; não leva consigo moeda alguma com a imagem de César. A forma livre como viveu sua vida é o exemplo que queria nos passar sobre o reino de Deus. Jesus abandonou a "segurança" do sistema para "entrar" no reino de Deus. Mas que reino é esse?

Esse é um reino de pessoas altruístas que levam ao necessitado, seja aonde for, um pouco de alívio através de atitudes amorosas. A vida itinerante de Jesus a serviço dos pobres deixa claro que o reino de Deus não tem um centro de poder a partir do qual deve ser controlado. Não é como o Império, governado por Tibério César a partir de Roma, nem como a tetrarquia da Galileia, regida por Herodes Antipas a partir de Tiberíades, nem como a religião judaica, vigiada a partir do templo de Jerusalém pelas elites sacerdotais corruptas. O reino de Deus vai se gestando ali onde ocorrem coisas boas para os pobres e oprimidos. Este é o reino.

Jesus cura doentes, expulsa demônios, aceita prostitutas e todo tipo de pessoas socialmente excluídas em seu grupo. Apesar disso, ele não cria uma comunidade moral (conceito sociológico de um grupo de pessoas que não vive segundo as regras e normas sociais, mas seguem suas próprias leis), ele trás essas pessoas rejeitadas pela sociedade e sem esperança de volta a vida, ensinando-as que é possível viver de acordo com valores ético e morais, e as estimula a isso.

Jesus exemplifica através de si mesmo que o reino começa agora. Ao contrário do que muitos de nós pensamos, não precisamos morrer para este mundo para então, enfim desfrutar de paz, descanso e amor. Quem já se pegou pensando em como perfeito será o céu? A perfeição do céu será a medida que cada um de nós buscar essa perfeição aqui na terra. Não a perfeição egoísta, mas a altruísta, tipificada por Jesus.

Jesus desenvolveu seu ministério quase que exclusivamente no meio dos pobres. Mas ele não fez isso por que eles eram pobres. Pobreza é um conceito relativo. Acontece que no tempo de Jesus, os pobres na palestina eram oprimidos, explorados de forma desumana, enquanto a elite era a classe exploradora. Hoje, em nossas vidas no mundo pós-moderno, existe todo tipo de opressão, em todas as classes sociais e em todos os campos da vida humana. O recado de Jesus é simples: Seja luz nas trevas. Nós, enquanto filhos adotivos e servos de Deus, devemos compartilhar a luz que nos fora revelada, com o mundo. Mas não trata-se só da salvação da alma na eternidade, se trata do aqui e agora.

Portanto, compartilhe sim, mas não pense que ações sociais em comunidades carentes são tudo o que Jesus espera. Muitas vezes um vizinho, um colega de trabalho, um companheiro de lazer está mais oprimido que muito morador de favela. Mas, por ele não ser pobre, nossa insensibilidade nos faz enxergar com lentes míopes e achar que ele não tem problemas tão sérios assim e, mesmo se tiver, é adulto e auto-suficiente. Engano nosso. Na maioria das vezes Deus permitiu que nosso caminho cruzasse com o dessa pessoa justamente para que possamos levar o reino para a vida dela. Mas nós simplesmente não fazemos isso.

No mundo teremos aflições, nos afirmou Jesus. Isso é uma constante. Há alguém que não tenha problemas? Não. Portanto, não devemos usar nossos "vales" como desculpa para sermos egoístas. O reino de Deus depende de nós, de nossas ações exclusivamente para com os outros. Também não é difícil nos pegarmos dizendo a nós mesmos que "temos problemas demais" ou "estamos em um momento complicado demais" para poder levar o reino, através de atitudes, para terceiros. Esquecemos que nossos problemas são como gotas no oceano, se comparado aos de alguém que está "fora" do reino e não tem a segurança de saber que Deus cuida dele.

Faço um convite a você: Vamos fazer coisas boas para o mundo e as pessoas, e viver o reino de Deus?

terça-feira, 15 de setembro de 2015

O Deserto em Nossa Vida


Para os judeus, o deserto evoca o lugar em que nasceu seu povo. É também o local onde é preciso voltar em épocas de crise. No deserto não chegam ordens de Roma, não se ouve o bulício do templo, não há mestres da lei discursando. É o lugar perfeito para quem busca. No silêncio e na solidão, pode-se ouvir a Deus.

De acordo com o profeta Isaías, o deserto é o melhor lugar para "abrir caminho" para Deus e deixa-lo entra no coração (Is 40:3). Não foi atoa que Jesus foi para o deserto antes de começar seu ministério. Deixou seu trabalho de artesão, abandonou a família e se afastou de Nazaré. Não se aproximou de nenhum mestre para estudar a torá e/ou as tradições judaicas, não foi para as margens do mar morto tentar ser admitido na ordem dos monges de Qunram, tampouco dirigiu-se a Jerusalém para conhecer de perto o templo, o lugar santo, onde se ofereciam sacrifícios ao Deus todo poderoso. Ele simplesmente foi para o deserto.

Jesus não foi ao deserto procurando uma experiência mais intensa com Deus nem satisfação de sua sede interior. Jesus não é um místico em busca de harmonia pessoal. Ele buscou Deus como força de salvação para o povo. Ele buscou Deus por conta dos males que assolavam a humanidade, que são os mesmos dos dias de hoje: A brutalidade das guerras, a opressão das classes menos favorecidas, a crise religiosa e a adulteração da Aliança. Ele precisava do auxílio de Deus Pai, e sabia exatamente onde encontra-lo: no deserto.

Quando alguém se prepara para defender uma tese de mestrado, não associamos a vida dessa pessoa ao "deserto"; dizemos que está capacitando-se, que tem uma oportunidade. Mas o que Jesus foi fazer no deserto se não capacitar-se?

Nossa consciência coletiva encara o deserto com desprezo, como lugar de punição. No entanto, Jesus foi para o deserto e, além de capacitar-se, não há indício algum de punição. Dificuldade não é sinônimo de sofrimento, tampouco de punição. Todo preparo passa por dificuldade. Oscar Schmidt, conhecido como "mão santa", detestava ser chamado assim. Ele retrucava dizendo "minhas cestas não são um milagre. Você sabe o quanto eu tive que treinar para acertar todas elas?" O preparo de Oscar gerava "sofrimento", ele precisava esforçar-se além do ordinário. Quando todos os outros jogadores estavam em casa, ele ainda estava arremessando bolas.

Porém, nem tudo na nossa vida tem esse caráter objetivo. Se sempre que estivéssemos sofrendo fosse como Oscar ao treinar sozinho, sabendo do resultado a ser colhido na próxima partida, nunca nos sentiríamos infelizes. O problema é quando o sofrimento está associado a injustiça no trabalho, a problemas de relacionamento em casa, a períodos de dificuldades financeiras. Esse tipo de situação é complexa e não se resume a um único ponto, em que possamos dizer "é isso" ou "é aquilo". O jogo de logo mais em que os frutos serão colhidos não é tão perceptível assim. Então, nesses casos não temos o costume de pensar em preparo; mas tão somente em dor. 

Contudo, toda aparente dificuldade em nossas vidas, nada mais é que Deus nos dando um empurrãozinho para o deserto, para que percebamos que podemos encontra-lo. Não encontra-lo por encontrar, mas para que sejamos treinados por Ele, para nos sairmos melhor diante deste desafio que nos levou para o deserto, e de outros ainda por vir. No deserto, se por um lado estão elementos de dor; se girarmos o prisma, veremos que estamos no deserto! Estamos no local de silêncio e solidão, onde mais fácil podemos encontrar Deus. Onde podemos ser capacitados por Deus para enfrentarmos os desafios da vida.

Devemos agradecer a Deus toda vez que estamos no deserto, porque temos uma oportunidade de sermos capacitados e nos aperfeiçoarmos como seres humanos e, acima de tudo, como cristãos.

domingo, 13 de setembro de 2015

O Ofício de Jesus


A média de alfabetização nas províncias romanas era de 10%. Alguns estudiosos entendem que, na palestina, onde situava-se Nazaré (vilarejo onde Jesus cresceu), a taxa era ainda menor, próxima dos 3%. As pessoas de lugares pobres como este não tinham meios de alfabetização (não haviam escolas nas aldeias), e tampouco haviam livros em suas casas. Somente a aristocracia tinha meios para adquirir certa cultura escrita. Não é possível, portanto, sabermos se Jesus fora instruído além do ofício familiar que recebera de seu pai José.

Na verdade, nas aldeias da Galileia o povo não sentia necessidade de ler e escrever. Nestes povoados de cultura oral, as pessoas tinham uma grande capacidade de reter na memória cantos, orações e tradições populares, que eram transmitidas de pais para filhos. Neste tipo de sociedade pode-se ser sábio sem dominar a leitura nem a escrita. Podemos imaginar que na casa de Jesus, assim como nas outras, não havia livros para ler, tampouco pergaminhos para escrever, e certamente Jesus não frequentou nenhuma escola de escribas nem foi discípulo de nenhum mestre da lei, como Paulo.

Jesus foi um vizinho sábio e inteligente, que ouviu com atenção e guardou na memória orações e salmos. Dessa forma, não precisou recorrer a nenhum livro para medita-lo em seu coração. Sua habilidade para discutir textos das Escrituras e tradições religiosas faz até o mais cético dos homens admitir um talento natural exímio, que compensava o baixo nível de sua formação cultural.

Se tomarmos nossa erudição como parâmetro, não daríamos ouvidos a Jesus e sua mensagem. Certa vez disseram que, para saber se um homem é verdadeiramente erudito, deve-se olhar a quantidade de notas de rodapé em seus livros. Quando vou a livraria, se me deparo com um autor desconhecido, imediatamente procuro suas referências na contra-capa: onde se formou? em que se especializou? até onde foi em sua especialização? Que obras produziu anteriormente? Jesus, no entanto, durante todo seu ministério jamais citou um rabino ou metre da lei, e na própria Escritura, foram poucas as vezes em que as citou de forma literal. Assim, Jesus vivia o que pregava, "falava daquilo que o coração estava cheio" (Mateus 12:34).


O ofício que Jesus aprendeu de seu pai era mais do que um meio de ganhar a vida. A cultura judaica ensinava todas as crianças um ofício, mesmo as mais abastadas que provavelmente jamais iriam utiliza-lo durante a vida. O apóstolo Paulo é um bom exemplo. Mesmo de origem nobre, aprendeu a arte de fabricar tendas na infância.

Sobre o ofício em si, as fontes históricas dizem com clareza que Jesus foi um "artesão". A palavra utilizada nos evangelhos para definir a profissão de Jesus foi o termo grego tectôn. Este termo não pode ser traduzido por carpinteiro, mas sim construtor. Esta palavra designa um artesão que trabalha com diversos materiais, como pedra, madeira e inclusive o ferro. O trabalho de Jesus, de forma alguma correspondia a do carpinteiro de hoje. O construtor trabalhava a madeira, mas também a pedra.

A atividade de um artesão da aldeia abarcava trabalhos diversos. Podemos imaginar os trabalhos que os vizinhos de Jesus solicitavam a ele: consertar telhados feitos de ramos e argila danificados pelas chuvas do inverno, fixar as vigas e pilares de uma casa, construir portas e janelas de madeira, fazer baús, banquinhos, bases de lâmpadas e outros objetos simples.

Em Nazaré não havia trabalho suficiente para um artesão. Por um lado, o mobiliário daquelas humildes casas era muito modesto: recipientes de cerâmica e pedra, cestos, esteiras; o imprescindível para a vida cotidiana. Por outro lado, as famílias mais pobres construíam suas próprias moradias e os camponeses fabricavam e consertavam durante o inverno seus instrumentos agrícolas.

Para encontrar trabalho, tanto José como seu filho, precisavam sair de Nazaré e percorrer os povoados próximos. Portanto, é de se imaginar que Jesus trabalhou na reconstrução de Séforis, a capital da Galileia. Esta grande cidade havia sido totalmente destruída por Roma quando Jesus tinha aproximadamente seis anos de idade. Pouco tempo depois, o novo rei daquela região (Herodes Antipas) iniciou sua reconstrução a todo vapor. A cidade fora totalmente reconstruída em apenas 20 anos! A demanda de mão de obra para as obras na cidade, sobretudo nos templos e palácios, era enorme. Precisava-se principalmente de oleiros e operários da construção. Provavelmente todos os jovens das aldeias vizinhas foram até lá em busca de trabalho. A distância entre Nazaré e Séforis era de aproximadamente quatro quilômetros. Em uma hora de caminhada podia-se percorrer todo o caminho. Portanto, não é difícil imaginar que Jesus tenha trabalhado algumas temporadas nesta cidade.

Com seu modesto trabalho, Jesus era tão pobre como a maioria dos galileus de seu tempo. Não estava no degrau mais baixo da escala social e econômica, pois ainda haviam os escravos e mendigos. Mas Jesus nunca viveu com a segurança de um mero camponês que cultivava a própria terra.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Jesus e o Sábado


Muitos de nós sabemos que um dos mandamentos era guardar o dia de sábado. Mas a verdade é que não temos ideia de como esse "mecanismo" funcionava na sociedade judaica, e tampouco seus motivos e significados. Para uma leitura sadia de qualquer trecho da bíblia, é imprescindível atenção ao contexto histórico dos fatos para, no mínimo, nos ambientarmos a situação narrada e nos situarmos.

O Shabbat, como é chamado em seu idioma de origem (hebraico), era o dia em que as cidades judias se transformavam. Ninguém madrugava. Os homens não saíam para o campo e as mulheres não assavam o pão. O sábado era um dia de descanso para a família inteira. A verdade é que, em aldeias de camponeses pobres que nada faziam além de subsistir, todos o aguardavam com alegria. Para aquelas pessoas era uma verdadeira festa que transcorria em torno ao lar e tinha seu momento mais prazeroso na refeição familiar, que sempre era melhor e mais abundante do que durante o resto da semana.

Os povos pagãos, que desconheciam o descanso semanal, ficavam surpresos com esta festa que os judeus observavam como sinal de sua eleição. Profanar o sábado era desprezar a eleição e a aliança.

O descanso absoluto de todos, o encontro tranquilo com familiares e vizinhos e a reunião na sinagoga permitiam a todo o povo viver uma experiência renovadora. O sábado era um dia de descanso total. Não só se deixava o trabalho, evitava-se, além disso, todo esforço (não se podia transportar cargas e só se podia andar pouco mais de um quilômetro). O sábado era vivido como uma "pausa para respirar" querida por Deus, pois ele próprio, depois de criar os céus e a terra, "descansou e parou para respirar no sétimo dia".

Sem precisar seguir o penoso ritmo de trabalho diário, nesse dia os judeus sentiam-se mais livres e podiam lembrar que Deus os havia tirado da escravidão para desfrutarem uma terra própria. As pessoas do campo (como a Nazaré de Jesus) certamente não estavam a par das discussões que os escribas mantinham a respeito dos trabalhos proibidos no sábado, tampouco sabiam do rigorismo com que os essênios observam o descanso semanal. Talvez sequer soubessem da existência de partidos como os essênios e os saduceus. Para essas pessoas, o sábado era uma "benção de Deus". Tão somente um pouco de alívio em meio a uma vida sofrida. Jesus sabia disso muito bem. Quando lhe criticaram a liberdade com que curava os enfermos no sábado, defendeu-se com uma frase lapidar: "O sábado foi feito por amor ao homem e não o homem por amor ao sábado (Marcos 2:27). Que dia melhor que o sábado para libertar as pessoas de seus acharques e enfermidades?

As Festas Populares no Tempo de Jesus


Grupos cristãos, das mais diversas vertentes e denominações geralmente estão familiarizados com a existência de festas judaicas nos tempos antigos, mas costumam ser alheios a seus motivos e significados. Pensando nisso, elaborei um resumo com as principais festas judaicas celebradas no tempo de Jesus, para apreciação do leitor.

É importante termos em mente que as festas eram estimadas por todos, e sempre muito aguardadas. A vida na palestina naquela época não era fácil, especialmente em zonas rurais como a Nazaré em que Jesus viveu. A labuta diária do povo era, literalmente, pela sobrevivência (isso é mais tarde explorado por Jesus na oração do Pai Nosso "dai-nos o pão de cada dia"). Quando se aproximava uma festividade, era motivo de grande alegria.

As bodas, ou o casamento, eram uma das festas mais aguardadas pelo clã familiar. Obviamente não havia data em que pessoas necessariamente deveriam casar, mas quando isso acontecia, havia grande júbilo. Alguns exegetas defendem que esta era "a melhor de todas as festas" e, cá entre nós, não é difícil imaginar o porque: As grandes festas eram realizadas no templo de Jerusalém, e nem todos tinham condições financeiras para a peregrinação e oferendas; em contrapartida, o casamento - que era uma festa longa e que durava muitos dias - era realizado no patio interno* das casas onde familiares e amigos acompanhavam os noivos comendo e bebendo com eles, dançando danças de casamento e entoando canções de amor.

*as casas costumavam ter apenas um cômodo onde todos dormiam - inclusive os animais - e sua entrada era através de uma área comum compartilhada com outras duas ou três residências. Semelhante ao que conhecemos hoje por vila. Neste pátio homens e mulheres partilhavam ferramentas para o campo e muitas outras atividades e materiais que possibilitavam reduzir o custo de vida.

Das demais festas religiosas, não há evidências arqueológicas concretas a respeito de como eram celebradas por aqueles que não podiam fazer a romaria à Jerusalém. O outono era um tempo especialmente festivo. Em setembro celebrava-se a Rosh ha-shaná (festa do ano novo). Dez dias mais tarde, era comemorado o Yom Kippur (dia da expiação), uma celebração que transcorria principalmente no interior do templo, onde se ofereciam sacrifícios especiais pelo perdão dos pecados do povo. Seis dias mais tarde celebrava-se uma festa muito mais alegre e popular, chamada Sukkot (festa das tendas). Esta festa tinha duração de sete dias. Especula-se que, originalmente, esta era uma festa de vindima que se celebrava no campo, em pequenas choupanas instaladas entre os vinhedos. Durante a festa, esperada ansiosamente pelas crianças, as famílias viviam fora de casa em cabanas, que lhes recordavam as tendas do deserto onde seus antepassados haviam habitado quando Deus os tirou do Egito, através da liderança de Moisés.

Na primavera celebrava-se a Pesach (grande festa da Páscoa), que atraía milhares de peregrinos judeus procedentes do mundo inteiro. Na véspera do primeiro dia, o cordeiro pascal era degolado e, ao anoitecer, cada família se reunia para celebrar uma comovente ceia que comemorava a libertação do povo israelita (judeu) da escravidão no Egito. A festa durava sete dias, e tinha um astral especialmente alegre, que gerava sentimento de orgulho por pertencer ao povo eleito, e também esperança de recuperar a liberdade perdida sob o jugo do imperador romano. Finalmente, cinquenta dias depois, já próximo do verão, celebrava-se a festa de pentecostes, ou festa da colheita que, no tempo de Jesus, estava associada à recordação da Aliança e do recebimento da lei no Sinai.