Para os judeus, o deserto evoca o lugar em que nasceu seu povo. É também o local onde é preciso voltar em épocas de crise. No deserto não chegam ordens de Roma, não se ouve o bulício do templo, não há mestres da lei discursando. É o lugar perfeito para quem busca. No silêncio e na solidão, pode-se ouvir a Deus.
De acordo com o profeta Isaías, o deserto é o melhor lugar para "abrir caminho" para Deus e deixa-lo entra no coração (Is 40:3). Não foi atoa que Jesus foi para o deserto antes de começar seu ministério. Deixou seu trabalho de artesão, abandonou a família e se afastou de Nazaré. Não se aproximou de nenhum mestre para estudar a torá e/ou as tradições judaicas, não foi para as margens do mar morto tentar ser admitido na ordem dos monges de Qunram, tampouco dirigiu-se a Jerusalém para conhecer de perto o templo, o lugar santo, onde se ofereciam sacrifícios ao Deus todo poderoso. Ele simplesmente foi para o deserto.
Jesus não foi ao deserto procurando uma experiência mais intensa com Deus nem satisfação de sua sede interior. Jesus não é um místico em busca de harmonia pessoal. Ele buscou Deus como força de salvação para o povo. Ele buscou Deus por conta dos males que assolavam a humanidade, que são os mesmos dos dias de hoje: A brutalidade das guerras, a opressão das classes menos favorecidas, a crise religiosa e a adulteração da Aliança. Ele precisava do auxílio de Deus Pai, e sabia exatamente onde encontra-lo: no deserto.
Quando alguém se prepara para defender uma tese de mestrado, não associamos a vida dessa pessoa ao "deserto"; dizemos que está capacitando-se, que tem uma oportunidade. Mas o que Jesus foi fazer no deserto se não capacitar-se?
Nossa consciência coletiva encara o deserto com desprezo, como lugar de punição. No entanto, Jesus foi para o deserto e, além de capacitar-se, não há indício algum de punição. Dificuldade não é sinônimo de sofrimento, tampouco de punição. Todo preparo passa por dificuldade. Oscar Schmidt, conhecido como "mão santa", detestava ser chamado assim. Ele retrucava dizendo "minhas cestas não são um milagre. Você sabe o quanto eu tive que treinar para acertar todas elas?" O preparo de Oscar gerava "sofrimento", ele precisava esforçar-se além do ordinário. Quando todos os outros jogadores estavam em casa, ele ainda estava arremessando bolas.
Porém, nem tudo na nossa vida tem esse caráter objetivo. Se sempre que estivéssemos sofrendo fosse como Oscar ao treinar sozinho, sabendo do resultado a ser colhido na próxima partida, nunca nos sentiríamos infelizes. O problema é quando o sofrimento está associado a injustiça no trabalho, a problemas de relacionamento em casa, a períodos de dificuldades financeiras. Esse tipo de situação é complexa e não se resume a um único ponto, em que possamos dizer "é isso" ou "é aquilo". O jogo de logo mais em que os frutos serão colhidos não é tão perceptível assim. Então, nesses casos não temos o costume de pensar em preparo; mas tão somente em dor.
Contudo, toda aparente dificuldade em nossas vidas, nada mais é que Deus nos dando um empurrãozinho para o deserto, para que percebamos que podemos encontra-lo. Não encontra-lo por encontrar, mas para que sejamos treinados por Ele, para nos sairmos melhor diante deste desafio que nos levou para o deserto, e de outros ainda por vir. No deserto, se por um lado estão elementos de dor; se girarmos o prisma, veremos que estamos no deserto! Estamos no local de silêncio e solidão, onde mais fácil podemos encontrar Deus. Onde podemos ser capacitados por Deus para enfrentarmos os desafios da vida.
Devemos agradecer a Deus toda vez que estamos no deserto, porque temos uma oportunidade de sermos capacitados e nos aperfeiçoarmos como seres humanos e, acima de tudo, como cristãos.
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