"Dois homens subiram ao templo para rezar: um era fariseu, o outro publicano. O fariseu, de pé, rezava em seu interior dessa maneira: "Ó Deus! Dou-te graças porque não sou como os outros homens, ladrões, injustos, adúlteros, nem mesmo como esse publicano. Jejuo duas vezes por semana, dou o dízimo de todos os meus lucros". Por sua vez, o publicano, mantendo-se à distância, nem se atrevia a levantar os olhos para o céu, mas batia no peito dizendo: "Ó Deus! Tem compaixão de mim porque sou pecador!" Digo-vos que este desceu para casa justificado, e não aquele."
Geralmente esta parábola contada por Jesus é usada para ilustrar como deve ser nossa oração. Isso é verdadeiro, mas assim como no caso da parábola do "grão de mostarda" (que vimos anteriormente), se observarmos com atenção, perceberemos uma lição mais abrangente ensinada por Jesus. Ele destaca três personagens: o fariseu, o publicano e o templo onde Deus habita.
Dos ouvintes imediatos de Jesus, provavelmente todos já haviam peregrinado até o templo (possivelmente por mais de uma ocasião), que era o centro de seu povo e religião. Só ali podia-se prestar culto a Deus. Eles chamavam o templo de "a casa de Deus", pois ali habitava o Deus santo de Israel. Dali Ele bendizia e protegia seu povo. Em outra época, neste mesmo templo, no lugar mais sagrado, estivera a arca da aliança e dentro dela as tábuas da lei. O templo representava a presença de Deus que reinava sobre seu povo por meio dessa lei. Com que alegria apresentavam-se diante dele todos aqueles que a observavam fielmente! O fariseu não é exceção. Provavelmente os dois sobem ao templo na hora em que se oferecem sacrifícios de expiação pelos pecados. Enquanto os sacerdotes realizam os ritos, eles se retiram para examinar sua consciência.
No caso do fariseu, todos já podiam imaginar o que sua consciência dizia, pois todos sabiam bem como eram os fariseus: um homem piedoso que cumpre fielmente os mandamentos, observa estritamente as normas de pureza ritual e paga escrupulosamente os dízimos. É dos que sustentam o templo. Sobe ao templo sem pecado. Deus não pode senão abençoa-lo.
Já o publicano ou arrecadador era alguém que vivia de uma atividade desprezível. Trabalha para arrecadar impostos sufocantes e subir na vida. Sua conversão é impossível. Não poderá retribuir os abusos que cometeu nem retribuir suas vítimas o que lhes roubou. Não pode sentir-se bem no templo. Ali não é o seu lugar.
O fariseu ora de pé, sem nenhum temor. Sua consciência não o acusa. Ele não é hipócrita, tudo o que diz é real. Cumpre fielmente todos os mandamentos, jejua duas vezes por semana, embora a lei só exigisse uma vez ao ano, paga o dízimo de tudo o que ganha, enquanto a lei cobrava somente os dízimos dos produtos do campo. Não se atribui mérito algum, Deus é quem o sustenta. Se este homem, um modelo de fidelidade a Deus, não é justo, quem o será? Com certeza pode contar com a benção de Deus, é o que pensavam os que ouviam Jesus. É o que pensamos nós. Você conhece alguém que, aos seus olhos, é como este fariseu? Alguém que você crê, é mais digno da presença do Senhor que você mesmo(a)?
O arrecadador de impostos, por sua vez, mantém-se à distância. Não se sente a vontade, não se acha digno daquele lugar santo. Ele sabe o que os que estão a sua volta pensam a seu respeito: desonesto, infiel, corrupto. Sequer atreve-se a levantar os olhos do chão, e bate no peito para reconhecer seu pecado e sua vergonha. Não promete nada. Não pode restituir o que roubou de tantas pessoas cuja identidade desconhece. Não pode deixar seu trabalho e mudar de vida. Não tem outra saída senão abandonar-se a misericórdia de Deus. "Ó Deus, tem compaixão de mim" ele ora. Não faz senão reconhecer o que todos já sabem. Ninguém gostaria de estar em seu lugar. Deus não pode aprovar sua vida de pecado. Você já se sentiu assim? Já esteve em algum templo e, olhando para o lado, reconheceu um publicano e desejou não estar em seu lugar? Ou já se sentiu tão indigno e desejou não ser você mesmo?
Jesus conclui que o fariseu não encontrou o favor diante de Deus. Ora, tanto aquelas pessoas como nós pensamos: qual o pecado do fariseu? Qual sua falta para não merecer a graça de Deus? No templo, Deus acolhia os justos em sua presença e excluía os pecadores e impuros. Estaria Jesus contradizendo Deus? Como pode Jesus dizer que Deus acolhe o impuro e rejeita o justo?
A verdade é que as coisas já não funcionam mais a partir da justiça elaborada pela religião. A observância da lei e o culto do templo são substituídos por um convite a viver da misericórdia insondável de Deus.
Jesus quer atrair você para uma experiência real que todo ser humano percebe no fundo do seu ser. Quando alguém se sente bem consigo mesmo e diante dos outros, quando se apoia em sua própria vida, não parece precisar de mais nada. Mas quando a consciência o declara culpado e desaparece a segurança, não sente então o ser humano a necessidade de refugiar-se na misericórdia de Deus e somente em sua misericórdia?
Quando alguém age como o fariseu, situa-se diante de Deus a partir de uma religião na qual não há lugar para o arrecadador de impostos. Quando alguém se confia a misericórdia de Deus, como o arrecadador, situa-se numa religião onde cabem todos.
Não confie em você mesmo, tampouco menospreze a si mesmo. Tão somente confie na misericórdia de Deus.
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