Quem precisa do seu amor? Você já se fez esta pergunta? Já parou para pensar que enquanto você está sentado em um restaurante com ar-condicionado durante seu horário de almoço existem pessoas realmente necessitadas? Não me refiro aos milhões de órfãos desabrigados na África ou os refugiados da guerra na Síria cruzando o mediterrâneo em direção a Europa. Falo do porteiro do seu prédio, do irmão que você quase nunca vê por falta de tempo, do sobrinho que não simpatiza porque sempre "queimou o filme" da família, da idosa viúva do andar de baixo. Todas estas pessoas estão próximas, ma talvez você nunca tenha pensado que elas têm problemas e necessidades. É por isso que Martin Buber desenvolveu a noção do eu-tu, que significa tratar o outro sempre como uma pessoa (tu) e nunca como uma coisa (isto).
As vezes as necessidades destes que nos cercam são reais, como o que comer ou vestir, as vezes são abstratas, como carência de atenção. Mas você só vai ser capaz de perceber isso se começar a olhar para os outros como tu, e não como isto. Se agir assim, você pode acabar descobrindo ser o único capaz de ajuda-las, e amenizar seu sofrimento.
Jesus uma vez contou uma parábola desconcertante: "Um homem descia de Jerusalém para Jericó, quando caiu nas mãos de assaltantes. Estes lhe tiraram as roupas, espancaram-no e se foram, deixando-o quase morto. Aconteceu estar descendo pela mesma estrada um sacerdote. Quando viu o homem, passou pelo outro lado. E assim também um levita; quando chegou ao lugar e o viu, passou pelo outro lado. Mas um samaritano, estando de viagem, chegou onde se encontrava o homem e, quando o viu, teve compaixão. Aproximou-se, enfaixou-lhe as feridas, derramando nelas vinho e óleo. Depois colocou-o sobre o seu próprio animal, levou-o para uma hospedaria e cuidou dele. No dia seguinte, deu dois denários ao hospedeiro e disse-lhe: 'Cuide dele. Quando voltar lhe pagarei todas as despesas que você tiver'"
Agora se imagine como um dos ouvintes de Jesus: você já peregrinou mais de uma vez a Jerusalém e conhece bem essa região desértica e perigosa. Sabe como é difícil não topar com assaltantes que se refugiam nestes barrancos e desfiladeiros. É de seu conhecimento também que, esta rota, ao mesmo tempo perigosa, é bastante frequentada. Sacerdotes e levitas passam por ali toda semana depois de terem exercido seus serviços no templo, a caminho de Jericó, importante cidade sacerdotal. Também passam por ali peregrinos e comerciantes com destino a Jerusalém, levando suas mercadorias para a capital.
Ao ouvir falar de um homem assaltado e deixado semimorto na valeta do caminho, você que conhece o lugar e os perigos, sente simpatia e piedade em seu coração. Afinal, é uma vítima inocente, abandonada num caminho solitário e que precisa de ajuda urgente. Este homem poderia ser você! Como não sentir compaixão por ele?
Pare e reflita: na sua vida hoje, quem está sofrendo próximo a você, e que o motivo de dor que o acomete poderia não ter atingido ele, mas sim você?
No caminho daquele homem, felizmente, apareceram dois viajantes: primeiro um sacerdote e depois um levita. Ambos vêm do templo. Já realizaram suas obrigações por lá e estão retornando a sua cidade. O ferido os vê chegar cheio de esperança: são de seu próprio povo; representam o templo, sem dúvida terão compaixão dele. Mas ao se aproximarem, os dois têm a mesma reação: passam pelo outro lado da estrada. Por quê? Têm medo dos assaltantes? Não querem tocar num desconhecido ensanguentado e semimorto para não ficarem impuros (isso os faria ter que retornar e só poderem retomar a viagem dias depois)? Você se sente escandalizado com a falta de compaixão desses dois homens. Como não ajudar um homem abandonado a uma morte quase certa?
No horizonte aparece um terceiro viajante. Não é sacerdote ou levita, não vem do templo. Sequer pertence ao povo eleito. É um odiado samaritano. Provavelmente um comerciante dedicado a seus negócios. O ferido o vê chegar com temor. Pode-se esperar dele o pior. Chegará a liquidá-lo? Mas o samaritano vê o ferido, sente compaixão e aproxima-se dele. Faz pelo ferido tudo o que pode: desinfeta suas feridas com vinho, suaviza a dor com azeite, enfaixa-o para proteger suas feridas da poeira do deserto, coloca-o sobre sua própria montaria, leva-o à hospedaria mais próxima, cuida dele e arca com todos os gastos que forem necessários. Este homem, definitivamente, não parece alguém preocupado com suas mercadorias; assemelha-se mais a uma mãe cuidando com ternura do filho ferido.
Sabe, o conceito abordado por Jesus nesta parábola rompe todas as barreiras. É muito mais profundo do que inicialmente imaginamos. Jesus vê o reino de Deus na compaixão de um odiado samaritano. Já não há classificação entre amigos e inimigos, entre membros ou não de seu corpo (a igreja), entre puros e impuros, entre ricos e pobres. A misericórdia de Deus pode vir de fora do templo, de fora dos canais religiosos "oficiais", pode vir de um inimigo! É desconcertante. Jesus olha a vida a partir da sarjeta, com os olhos das vítimas necessitadas de ajuda. Não há dúvida que para Jesus a melhor metáfora de Deus é a compaixão para alguém ferido. Física ou emocionalmente.
O reino de Deus torna-se presente onde as pessoas atuam com misericórdia. Até um inimigo ou um renegado podem ser instrumento e encarnação do amor compassivo de Deus. A mensagem de Jesus constitui um verdadeiro desafio para todos nós: É preciso esquecer preconceitos e inimizades seculares, é preciso reordenar valores. É preciso estender a misericórdia de Deus a todos e despir-se de valores provincianos de grupos sociais.
A pergunta que você deve se fazer é: "Quem tem necessidade de que eu me aproxime dele, me torne próximo e responda à sua necessidade?" É o sofrimento de qualquer ser humano caído no caminho que nos deve ensinar como agir com amor compassivo.