segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Jesus e o Calvinismo

João Calvino

Nos dias de hoje, não há como falar de "calvinismo" ou "teologia reformada" sem falar em predestinação. No entanto, é preciso retornar à época das reformas protestantes e conhecer a história dentro de seu contexto, para então entender a sistemática de Calvino e a dos calvinistas.

A teologia que João Calvino desenvolveu não diferia substancialmente da de Lutero. Lutero, na verdade, influenciou consideravelmente a obra de Calvino. As ideias do alemão conquistaram significativa audiência na universidade de Paris quando Calvino ainda era estudante. Pode-se dizer que Martinho foi uma das três grandes influências sobre o jovem francês. As outras duas foram o humanismo renascentista e o estudo da patrística (particularmente Agostinho).

O principal interesse de Calvino em suas Institutas foi o conhecimento de Deus. A predestinação era um mero adendo em sua teologia, mencionado apenas no final do terceiro dos quatro volumes das Institutas. Segundo Calvino, existe o conhecimento natural de Deus e a revelação sobrenatural de Deus na palavra. Ele se estende vastamente neste tema.

Calvino afirma que todos os aspectos de nossa humanidade foram afetados pelo primeiro pecado. Portanto, o ser humano é prisioneiro do pecado e desprovido do desejo de praticar justiça. Esse pensamento o guia a uma abordagem agostiniana ao avaliar a condição humana: por causa dos efeitos devastadores do pecado, não há meio pelo qual o ser humano possa chegar a Deus. Assim sendo, Deus precisa iniciar este processo, e este foi o propósito da encarnação de Jesus. Dessa maneira, Calvino afirma a justificação somente pela fé.

Chegamos então a predestinação (ou eleição). Conforme exposto neste breve resumo, Calvino introduzia este assunto depois de expor a doutrina da salvação. A predestinação não é, portanto, um tema fundamental no sistema teológico de Calvino. Contudo, tornou-se marca registrada da teologia reformada. Calvino inclusive advertiu contra a supervalorização dessa doutrina: "Procurar outro conhecimento da predestinação que [aquele] que na palavra de Deus se expõe, de não menor insânia é que se alguém queira ou avançar por [lugar] sem caminho, ou ver na escuridão".

Com isso em mente, observe como Calvino define a predestinação: "Chamamos predestinação o eterno decreto de Deus pelo qual houve em si [por] determinado que acerca de cada homem quisesse acontecer". Calvino é igualmente claro em dizer que Deu não decidiu o destino eterno de cada ser humano baseado no pré-conhecimento de como este iria responder à sua oferta da graça.

Teodoro Beza

É de suma importância entender que a metodologia de Calvino era humanista indutiva, ao contrário do método aristotélico dedutivo, aplicado por Teodoro Beza, seu sucessor; e pelos calvinistas desde então.

Beza retrocedeu ao método que caracterizou o escolasticismo medieval. Sua teologia não diferia muito em conteúdo  da teologia de Calvino, mas a sensibilidade e o frescor da obra de Calvino se perderam, e estão perdidos desde então.

Agora a teologia reformada se concentrava em estender o conhecimento teológico até os mínimos detalhes, e o relacionamento íntimo entre a teologia e a vida foi de novo obscurecido, assemelhando-se aos tempos passados, em que teólogos reuniam-se para estudar se anjos tinham ou não necessidades fisiológicas. Apenas as "necessidades fisiológicas" dos anjos foram substituídas pela predestinação.

O escolasticismo caracteriza-se por: forma dedutiva de raciocínio, uso de premissas e interesse por pensamentos abstratos. Tudo com que Calvino não queria lidar. Com isso em mente, podemos entender que Calvino, pelo que sentiu em sua conversão e estudou ao longo de sua vida, chegou a conclusão de que, de alguma forma que não era clara para ele, Deus escolhia pessoas. Já Beza e os Calvinistas, partiam (e partem até hoje) do pressuposto que Deus escolhe algumas pessoas, e a partir daí buscam nas Escrituras textos que justifiquem seu pensamento dedutivo. É uma diferença sensível.

Essa nova mentalidade representou uma divergência profunda da fé orientada pelo humanismo de Calvino, Lutero e a maioria dos primeiros reformadores. Beza mudou o debate a cerca da doutrina da salvação para a predestinação. Essa mudança fez de Deus uma divindade caprichosa e distante, em vez do pai amoroso que Calvino descreveu. Daí em diante, a teologia reformada passou a enfatizar a soberania divina absoluta e as doutrinas relacionadas.

Como consequência, Beza desenvolveu uma proposição teológica conhecida como supralapsarianismo (do latim supra lapsum, "acima da queda" - portanto, "antes da queda). Este é o conceito de que o decreto divino que elegeu alguns e condenou outros antecede a permissão para a queda da humanidade. Surgiu uma outra perspectiva, o infralapsarianismo, que entende o decreto de Deus a respeito da eleição como sequência lógica posterior ao decreto da queda. Ainda surgiu o sublapsarianismo. Embora essas diferenças sutis pareçam triviais e sem propósito, é um exemplo da busca incansável por precisão da parte do escolasticismo. O fato relevante aqui é que Deus teria decretado a existência de alguns eleitos e outros não, a queda e a permissão para salvação dos eleitos.

Por fim, Beza desenvolveu formalmente a doutrina da expiação limitada. Essa doutrina afirma que Cristo alcançou na cruz o que era tencionado apenas para redimir os eleitos. A proposição pode ser apresentada de modo oposto: Cristo não resgatou aqueles a quem Deus não elegeu.

Veja o problema da doutrina da eleição: Se Deus decretou eleger somente alguns, e não outros, segue-se que o decreto que disponibilizava a redenção por meio de Cristo era apenas para os eleitos. Traduzindo em miúdos: Jesus morreu na cruz apenas para alguns poucos escolhidos! Concluir algo diferente seria o mesmo que afirmar que Deus filho estava trabalhando com propósitos contrários aos de Deus pai. Jacó Armínio chegou a perturbadora conclusão que, segundo o calvinismo de Beza, Deus era o autor do pecado!

Sabe-se muito pouco a respeito da conversão de Calvino. Ele relatou no prefácio de seu comentário sobre salmos sua "conversão súbita", durante a qual se sentiu escolhido por Deus e chamado para algo específico. Todos os cristãos têm relatos de um (ou mais) encontro(s) com Cristo. O que não é correto é afirmar que todas as experiências são iguais. Eu, por exemplo, meditei muito a respeito das palavras de Deus e dos ocorridos em minha vida, para então chegar a conclusão que Deus de fato existe e que Jesus morreu por mim. Não desprezo, no entanto, a experiência de Calvino, que parece ter sido diametralmente oposta a minha.

Há muitos lapsos no calvinismo, mas não se faz necessário explorá-los. Basta olhar para o mais conhecido versículo bíblico "Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu filho unigênito para todo aquele que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna" para perceber que o calvinismo e sua empáfia são um paradoxo.

Jesus morreu por todos, e não só para os calvinistas. Alguns (e isso inclui os calvinistas) reconhecem esse sacrifício, e então ganham o direito de passar a eternidade ao lado do Pai.

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